Introdução
Sobre o projeto
O projeto "Portas abertas para a inclusão — Educação física inclusiva" nasceu de uma parceria estabelecida entre o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Fundação FC Barcelona e o Instituto Rodrigo Mendes. A iniciativa foi criada em 2012 com a intenção de formar educadores de diversas regiões do Brasil para promover a inclusão escolar de meninas e meninos com deficiência por meio de práticas esportivas seguras e inclusivas. Nesse sentido, o projeto dialoga com o ideal de garantir o "desfrute total e igual de todos os direitos humanos e liberdades".1
O contexto da realização de megaeventos esportivos no país — Copa do Mundo FIFA 2014 e Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 — serviram de inspiração para esse projeto, na medida em que seus realizadores acreditam que o esporte pode ser uma ferramenta de complemento à educação, com potencial de aumentar o interesse dos estudantes pela escola e melhorar seu desempenho. Assim, o projeto teve como objetivo geral:
Apoiar redes públicas de ensino do Brasil para a garantia de acesso, permanência, aprendizagem e conclusão do ensino de crianças e adolescentes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento (TGD) e altas habilidades/superdotação no ensino fundamental e infantil, por meio da prática esportiva segura e inclusiva.
Em sua primeira edição, o projeto contemplou a realização de um estudo de caso sobre experiências educacionais inclusivas no Brasil e um curso de formação sobre o tema. Participaram desse curso 324 educadores, gestores de escolas e técnicos das secretarias de educação das cidades que sediaram os jogos da Copa do Mundo FIFA 2014, quer sejam: Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.
Ao longo do processo formativo, cada participante foi convidado a realizar um diagnóstico sobre a realidade de sua escola e, com base nesse retrato, planejar e implementar ações pedagógicas que explorassem a educação física como uma linguagem que pode favorecer a inclusão na escola comum. O debate foi muito além do esporte de alto rendimento, pois promoveu a discussão sobre a ressignificação das modalidades do esporte. O potencial de impacto do projeto, por meio de ações desenvolvidas por esses profissionais, foi de 22.524 estudantes das redes públicas de ensino.
Em 2015, o projeto "Portas abertas" iniciou sua segunda edição, contando agora com a participação de três novos municípios integrantes da Plataforma de Centros Urbanos2 do UNICEF (Belém, Maceió e São Luís), totalizando, assim, 15 cidades.
As atividades desta 2a edição foram estruturadas em três macroetapas:
Etapa 1
Estruturação e mobilização: com base na experiência adquirida na primeira edição do curso, definiu-se o currículo e o corpo de especialistas que orientaram a realização do curso de formação. Nessa etapa, foi também realizado um encontro presencial com representantes das secretarias de educação de cada um dos municípios participantes. Esses profissionais, denominados interlocutores e facilitadores, receberam orientações gerais sobre o projeto “Portas abertas” e sobre o relevante papel de tais profissionais ao longo das etapas seguintes.
Etapa 2
Formação e monitoramento: nessa etapa, foi realizado um curso de formação continuada sobre educação física inclusiva, envolvendo educadores, gestores de escolas municipais e técnicos de secretarias de educação das 15 capitais citadas anteriormente. A iniciativa ofereceu conteúdos e ferramentas que subsidiaram a elaboração e execução de projetos locais nas escolas impactadas desenvolvidos pelos próprios participantes do curso. Paralelamente ao curso, a equipe do Instituto Rodrigo Mendes promoveu o monitoramento dos referidos projetos e forneceu apoio técnico aos cursistas.
Etapa 3
Encontros locais: após a conclusão da formação continuada e da implementação dos projetos locais, foram realizados encontros em todas as cidades participantes, nos quais os cursistas apresentaram os resultados gerados com os referidos projetos. Esta etapa teve como objetivo promover a troca de experiências e formar redes de construção de conhecimento sobre a educação física inclusiva.
Proposta do relatório
Este relatório faz parte do conjunto de publicações desenvolvidos com a intencionalidade de compartilhar o conhecimento produzido pela 2a edição do projeto "Portas abertas" e, consequentemente, ampliar seus impactos. Segue abaixo uma breve descrição de cada material.
1. Relatório de impactos
Documento textual cujo objetivo é influenciar gestores de órgãos públicos e organizações comprometidas com o tema da inclusão para a criação de políticas inclusivas no campo da educação, da educação física e do esporte. O relatório apresenta dados quantitativos e qualitativos que ilustram os impactos observados ao longo da implementação do projeto "Portas abertas para a inclusão". Para tal, foram feitas análises das experiências desenvolvidas nas 15 cidades participantes, tendo como base os princípios e as dimensões3 que fundamentam o tema da educação inclusiva.
2. Coletânea de práticas inclusivas — educação física para todos
Documento textual voltado a profissionais que atuam no campo da educação física, do atendimento educacional especializado e em outras áreas relacionas à inclusão escolar, cujo objetivo é inspirá-los a promover estratégias pedagógicas que favoreçam o atendimento de estudantes com deficiência nas escolas comuns. A coletânea apresenta práticas desenvolvidas pelos cursistas do "Portas abertas", resultantes de projetos locais por eles elaborados e implementados.
3. Vídeos sobre práticas inclusivas — educação física para todos
Série de vídeos que visa complementar a coletânea de práticas inclusivas, tendo o mesmo objetivo e público-alvo do referido documento. Os vídeos contam com recursos de acessibilidade (janela de Libras, audiodescrição e legendas em português, inglês e espanhol).
Todos os materiais acima citados estão disponíveis nos sites: //rm.org.br/portas--abertas (em formatos pdf e html) e www.unicef.org.br. Esperamos que a divulgação dessas publicações possa contribuir para o avanço da inclusão escolar em todo o sistema de ensino do Brasil e de outros países.
Dados do curso
O curso de formação sobre educação física inclusiva, desenvolvido no período de março a setembro de 2015, contemplou 458 profissionais de 15 capitais brasileiras. A composição das turmas era propositalmente heterogênea, envolvendo educadores, gestores de escolas, técnicos das secretarias de educação e outros profissionais, conforme gráfico ilustrativo ao lado.
Perfil dos cursistas
Notas do gráfico: Educador social é o profissional que trabalha com crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade social em projetos no município de Porto Alegre. A categoria Profissional de apoio abrange as funções de apoio pedagógico e apoio administrativo, declaradas pelos cursistas. A categoria Gestor escolar considera diretores de instituições de ensino das 14 secretarias municipais de educação e coordenadores de projeto do município de Porto Alegre.
A programação do curso envolveu 16 aulas, transmitidas ao vivo pela internet a partir de um modelo 5 semipresencial de ensino. As aulas foram promovidas pela equipe do Instituto Rodrigo Mendes, especialistas de renome (tanto da academia quanto do poder público), além de representantes ativos da sociedade civil. Com o objetivo de enriquecer o conteúdo e contribuir para a assimilação das aulas teóricas, foram realizadas diversas atividades complementares. A mais importante delas foi o desenvolvimento de projetos locais, planejados e implementados pelos próprios cursistas a partir de uma metodologia 6 desenvolvida pelo Instituto Rodrigo Mendes.
O impacto direto 7 do "Portas abertas", resultante de 122 projetos locais, foi de 51.052 pessoas. Dentre elas, 72,7% (37.105) eram estudantes (crianças e adolescentes) das redes públicas de ensino. Importante destacar a significativa representação de familiares nesse quadro de impactos diretos, traduzida por 16,9% (8.649) do total envolvido.
Pessoas | ||
Estudantes público-alvo da educação especial | 1.481 | 2,9% |
Outros estudantes | 35.624 | 69,8% |
Professores de educação física | 473 | 0,9% |
Professores do atendimento educacional especializado (AEE) | 334 | 0,7% |
Professores de outras disciplinas | 1.755 | 3,4% |
Diretores | 348 | 0,7% |
Coordenadores pedagógicos | 941 | 1,8% |
Profissionais não docentes | 852 | 1,7% |
Familiares | 8.649 | 16,9% |
Outros | 595 | 1,2 |
Total geral | 51.052 | 100% |
Ao realizar uma comparação do referido impacto direto com os dados das respectivas redes municipais de educação8, consideramos relevante o fato dos projetos terem atingido 13,4% dos professores de AEE; 5,5% dos diretores de escolas e 4,3% dos professores de educação física.
O "Portas abertas" impactou indiretamente9 199 escolas públicas. Nessas instituições de ensino, estão matriculados 110.455 estudantes10 e atuam 12.191 profissionais, com os quais os cursistas possivelmente interajam.
É importante ressaltar que todos os dados qualitativos e os depoimentos considerados neste relatório não têm a intenção de realizar comparações entre os projetos desenvolvidos em cada uma das cidades participantes, mas sim de avaliar o impacto da iniciativa localmente e, com isso, sistematizar os aprendizados para garantir um maior avanço da educação inclusiva no país.
Impactos por cidade para consulta
Estudantes público-alvo da educação especial | 158 |
Outros Estudantes | 2.858 |
Professores de educação física | 21 |
Professores do AEE | 24 |
Professores de outras disciplinas | 166 |
Diretores | 12 |
Coordenadores pedagógicos | 35 |
Profissionais não docentes | 59 |
Familiares | 174 |
Outros | 98 |
Total geral | 3.605 |
Estudantes público-alvo da educação especial | 25 |
Outros Estudantes | 428 |
Professores de educação física | 5 |
Professores do AEE | 6 |
Professores de outras disciplinas | 22 |
Diretores | 7 |
Coordenadores pedagógicos | 8 |
Profissionais não docentes | 33 |
Familiares | 6 |
Outros | 2 |
Total geral | 542 |
Estudantes público-alvo da educação especial | 53 |
Outros Estudantes | 1.100 |
Professores de educação física | 8 |
Professores do AEE | 20 |
Professores de outras disciplinas | 48 |
Diretores | 3 |
Coordenadores pedagógicos | 7 |
Profissionais não docentes | 7 |
Familiares | 57 |
Outros | 0 |
Total geral | 1.303 |
Estudantes público-alvo da educação especial | 87 |
Outros Estudantes | 2.192 |
Professores de educação física | 21 |
Professores do AEE | 12 |
Professores de outras disciplinas | 98 |
Diretores | 8 |
Coordenadores pedagógicos | 27 |
Profissionais não docentes | 107 |
Familiares | 460 |
Outros | 17 |
Total geral | 3.029 |
Estudantes público-alvo da educação especial | 63 |
Outros Estudantes | 2.365 |
Professores de educação física | 26 |
Professores do AEE | 26 |
Professores de outras disciplinas | 250 |
Diretores | 197 |
Coordenadores pedagógicos | 740 |
Profissionais não docentes | 52 |
Familiares | 124 |
Outros | 219 |
Total geral | 4.062 |
Estudantes público-alvo da educação especial | 179 |
Outros Estudantes | 5.735 |
Professores de educação física | 171 |
Professores do AEE | 124 |
Professores de outras disciplinas | 236 |
Diretores | 14 |
Coordenadores pedagógicos | 28 |
Profissionais não docentes | 97 |
Familiares | 1.919 |
Outros | 58 |
Total geral | 8.561 |
Estudantes público-alvo da educação especial | 71 |
Outros Estudantes | 1.321 |
Professores de educação física | 13 |
Professores do AEE | 64 |
Professores de outras disciplinas | 74 |
Diretores | 11 |
Coordenadores pedagógicos | 13 |
Profissionais não docentes | 57 |
Familiares | 38 |
Outros | 10 |
Total geral | 1.672 |
Estudantes público-alvo da educação especial | 134 |
Outros Estudantes | 2.244 |
Professores de educação física | 13 |
Professores do AEE | 7 |
Professores de outras disciplinas | 78 |
Diretores | 11 |
Coordenadores pedagógicos | 14 |
Profissionais não docentes | 60 |
Familiares | 730 |
Outros | 152 |
Total geral | 3.443 |
Estudantes público-alvo da educação especial | 72 |
Outros Estudantes | 1.269 |
Professores de educação física | 8 |
Professores do AEE | 8 |
Professores de outras disciplinas | 96 |
Diretores | 13 |
Coordenadores pedagógicos | 11 |
Profissionais não docentes | 31 |
Familiares | 124 |
Outros | 0 |
Total geral | 1.632 |
Estudantes público-alvo da educação especial | 25 |
Outros Estudantes | 520 |
Professores de educação física | 96 |
Professores do AEE | 0 |
Professores de outras disciplinas | 8 |
Diretores | 9 |
Coordenadores pedagógicos | 6 |
Profissionais não docentes | 14 |
Familiares | 12 |
Outros | 3 |
Total geral | 693 |
Estudantes público-alvo da educação especial | 145 |
Outros Estudantes | 2.246 |
Professores de educação física | 11 |
Professores do AEE | 9 |
Professores de outras disciplinas | 43 |
Diretores | 10 |
Coordenadores pedagógicos | 5 |
Profissionais não docentes | 50 |
Familiares | 450 |
Outros | 3 |
Total geral | 2.972 |
Estudantes público-alvo da educação especial | 194 |
Outros Estudantes | 5.148 |
Professores de educação física | 29 |
Professores do AEE | 10 |
Professores de outras disciplinas | 241 |
Diretores | 21 |
Coordenadores pedagógicos | 11 |
Profissionais não docentes | 127 |
Familiares | 955 |
Outros | 0 |
Total geral | 6.736 |
Estudantes público-alvo da educação especial | 70 |
Outros Estudantes | 1.746 |
Professores de educação física | 13 |
Professores do AEE | 6 |
Professores de outras disciplinas | 113 |
Diretores | 5 |
Coordenadores pedagógicos | 12 |
Profissionais não docentes | 13 |
Familiares | 1.143 |
Outros | 0 |
Total geral | 3.121 |
Estudantes público-alvo da educação especial | 139 |
Outros Estudantes | 5.058 |
Professores de educação física | 29 |
Professores do AEE | 10 |
Professores de outras disciplinas | 231 |
Diretores | 12 |
Coordenadores pedagógicos | 14 |
Profissionais não docentes | 96 |
Familiares | 2.279 |
Outros | 30 |
Total geral | 7.898 |
Estudantes público-alvo da educação especial | 66 |
Outros Estudantes | 1.654 |
Professores de educação física | 9 |
Professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE) | 8 |
Professores de outras disciplinas | 51 |
Diretores | 15 |
Coordenadores pedagógicos | 10 |
Profissionais não docentes | 49 |
Familiares | 178 |
Outros | 3 |
Total geral | 2.043 |
Metodologia para projetos locais
O curso de formação oferecido pelo "Portas abertas para inclusão" adota metodologia criada para promover e apoiar intervenções no ambiente escolar. Nesse sentido, cada participante foi convidado a desenvolver um projeto local voltado à melhoria do atendimento dos estudantes com deficiência por meio de atividades relacionadas à educação física inclusiva. As etapas para a realização desses projetos foram: 1) elaboração de diagnóstico; 2) elaboração de plano de ação e 3) implementação e avaliação. A figura abaixo ilustra tais etapas.
Visando oferecer aos cursistas uma visão detalhada do processo de trabalho relacionado à construção dos projetos locais, a equipe técnica do Instituto Rodrigo Mendes desenvolveu um mapa conceitual, traduzido pelo fluxograma abaixo.
O processo se iniciou com o entendimento da situação atual da escola ou da rede de ensino em que o cursista atuava, a partir dos princípios e das dimensões15 da educação inclusiva. Caso o contexto não respeitasse os princípios ou não contemplasse suficientemente cada uma das dimensões, os autores do projeto local deveriam identificar quais eram as barreiras que prejudicavam o processo de inclusão. Caso contrário (se a situação respeitasse os princípios e contemplasse as dimensões), os autores poderiam considerar a existência de facilitadores.
O conjunto de barreiras e facilitadores levantados compunham o diagnóstico da situação atual. Dentre todos os pontos levantados, um (preferencialmente uma barreira) deveria ser eleito como prioridade, considerando as necessidades da comunidade e da equipe e os recursos disponíveis. Essa prioridade orientaria a elaboração do plano de ação, composto por um objetivo (resultado almejado) e estratégias (como esse resultado seria buscado). Após a definição do plano, os grupos deveriam iniciar sua implementação e registrar na plataforma virtual do curso16 os avanços obtidos a partir das estratégias definidas para a avaliação.
Aspectos teóricos
Além da metodologia criada para promover e apoiar intervenções no ambiente escolar, explanada nas páginas anteriores, o Instituto Rodrigo Mendes, organização que trabalha em prol da educação inclusiva desde 1994, vem desenvolvendo um modelo teórico e técnico para orientar suas ações. Esse modelo envolve princípios e dimensões17 que fundamentam a educação inclusiva. Seu conteúdo foi elaborado a partir da análise de documentos considerados referências internacionais para a garantia de direitos das pessoas com deficiência, como a Declaração de Salamanca18 , a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência19 , a Declaração de Incheon20 e a Carta Internacional de Educação Física, Atividade Física e Esporte21. Tais princípios e dimensões servem como um guia para o desenvolvimento de experiências educacionais inclusivas e foram utilizados como base conceitual para a concepção didática do curso de formação.
A seguir, apresentaremos resumidamente tais bases, começando pelos princípios.
Princípios da educação inclusiva
Toda pessoa tem o direito de acesso à educação de qualidade na escola comum e a atendimento especializado complementar, de acordo com suas especificidades.
Toda pessoa aprende: sejam quais forem as particularidades intelectuais, sensoriais e físicas do educando, todos têm potencial de aprender e ensinar; é papel da comunidade escolar desenvolver estratégias pedagógicas que favoreçam a criação de vínculos afetivos, relações de troca e a aquisição de conhecimento.
O processo de aprendizagem de cada pessoa é singular: as necessidades educacionais de cada educando são únicas e devem ser atendidas por meio de estratégicas pedagógicas e processos de avaliação diversificados.
O convívio no ambiente escolar comum beneficia todos: a interação com as diferenças humanas é fundamental para o desenvolvimento de qualquer um, na medida em que amplia a percepção dos educandos sobre pluralidade, estimula sua empatia e favorece suas competências intelectuais.
A educação inclusiva diz respeito a todos: a educação inclusiva, orientada pelo direito à igualdade e o respeito às diferenças, deve considerar não somente as pessoas tradicionalmente excluídas, mas todos os educandos, educadores, famílias, gestores escolares, gestores públicos, parceiros etc.
Ao desenvolver estudos de caso22 sobre escolas regulares publicamente reconhecidas por atenderem com qualidade estudantes com deficiência em salas de aula comuns, o Instituto Rodrigo Mendes percebeu que, pelo menos, cinco dimensões são imprescindíveis para que projetos de educação inclusiva sejam consistentes e duradouros. São elas: políticas públicas, gestão escolar, estratégias pedagógicas, famílias e parcerias.
Esses princípios e dimensões e suas intersecções serviram para articular o conteúdo do curso. Conforme demonstrado anteriormente, foram também eixos norteadores dos diagnósticos elaborados pelos cursistas, de forma a categorizar as barreiras e os facilitadores para o desenho de um plano de ação.
As barreiras para a inclusão podem ser entendidas como qualquer característica do ambiente ou atitude humana "que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas".23 No contexto educacional, é tudo aquilo que deve ser eliminado, modificado, substituído ou acrescentado a fim de que cada estudante possa aprender. Facilitadores, por outro lado, são as características ambientais ou atitudes que favorecem o trabalho de eliminação dessas barreiras, diminuem o tempo e os recursos necessários para tanto ou ajudam a promover boas práticas na educação.
Segundo Sassaki,24 para que a inclusão aconteça, é fundamental "identificar nas diferenças todos os direitos que lhes são pertinentes e, a partir daí, encontrar medidas específicas para o Estado e a sociedade diminuírem ou eliminarem as ‘restrições de participação’ (dificuldades ou incapacidades causadas pelos ambientes humano e físico contra as pessoas com deficiência)".
Faz-se necessário, ainda, uma última consideração para que o presente relatório seja entendido plenamente: a definição do paradigma inclusivo. De acordo com esse paradigma, a deficiência é resultante não só das condições físicas, intelectuais e sensoriais de uma pessoa mas da interação de tais particularidades com as barreiras existentes na sociedade. Para promovermos a igualdade de oportunidades, é fundamental, portanto, que todos se envolvam no processo de indentificação e eliminação de tais barreiras.
A inclusão difere da integração, paradigma que também almeja promover a participação da pessoa com deficiência na sociedade, limitando-se, no entanto, ao enfoque no indivíduo. Segundo esse paradigma, basta a sociedade estar disponível para o convívio, cabendo ao indivíduo se adaptar aos padrões existentes por meio do uso de auxílios, tecnologias assistivas, intervenções médicas e outros métodos.
Em relação à educação, a integração pode ser ilustrada da seguinte forma: o educador não modifica sua forma de dar aula nem a gestão escolar busca conhecimento para receber os educandos. Espera-se que o aluno se adapte ao ambiente, tal qual ele se apresenta. Assim, um estudante cadeirante, por exemplo, terá que ser carregado pelas escadas do prédio; um aluno cego terá que pedir ajuda aos colegas ou ter um auxiliar para descrever as imagens utilizadas pelo professor; um estudante com deficiência intelectual será seguidamente reprovado de ano por não apreender o conteúdo dado. Nesse modelo, a educação será mais frequentemente oferecida em escolas e/ou classes especiais, onde estudantes com deficiência estudam com seus "iguais", ou seja, a diversidade é subtraída e busca-se uma homogeneização.
Para se tornar inclusiva, uma escola precisa modificar-se, em vez de esperar que o estudante se adapte. Nesse caso, ela altera o ambiente para que todos possam transitar autonomamente. A equipe pedagógica varia os recursos didáticos de forma que todos possam participar. No caso de um aluno cego, por exemplo, o educador disponibiliza os conteúdos abordados em braille (ou em formato digital) e planeja suas aulas de forma a descrever ele mesmo as imagens que utilizará. As avaliações são individualizadas e buscam entender o processo de aprendizagem de cada pessoa. Dessa forma, a escola é corresponsável pelo sucesso ou fracasso de seus alunos. Esse modelo repensa os conhecimentos acumulados pela educação especial para que auxiliem na redução das barreiras existentes. Por essas razões, os organizadores do projeto "Portas abertas" defendem o paradigma da inclusão por percebê-lo como uma perspectiva necessária à promoção da igualdade de direitos das pessoas com deficiência.
Análise por dimensão da educação inclusiva
Conforme citado no subcapítulo "Aspectos teóricos", as atividades de pesquisa e produção de conhecimento desenvolvidas pelo Instituto Rodrigo Mendes são orientadas por um modelo conceitual composto por cinco dimensões. Essa ferramenta dialoga com a complexidade inerente à educação inclusiva e busca contemplar as diferentes esferas sociais necessariamente implicadas nesse tema. A figura abaixo ilustra as dimensões e sua interdependência.
Dimensões
Políticas públicas:referem-se a todos os aspectos de criação e gestão de políticas públicas que se relacionam com a educação inclusiva em um determinado país ou território. Abrange as instâncias legislativa, executiva e judiciária, isto é, o conjunto de leis, diretrizes e decisões judiciais que buscam concretizar o direito à educação inclusiva.
De acordo com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva do Brasil,1 os órgãos públicos devem garantir a oferta de escolarização para os estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento (TGD) e altas habilidades/superdotação na escola comum. Além disso, devem suprir a demanda de atendimento educacional especializado (AEE) para esse público. Para tanto, é necessário prover acessibilidade em todos os níveis (da arquitetônica à comunicacional), assim como formação de educadores e funcionários, possibilitando a aprendizagem de estratégias didáticas e pedagógicas para lidar com tais educandos.
O Índex para a Inclusão2 acrescenta que é papel das políticas públicas divulgar e colocar em ação valores inclusivos, por meio da legislação, de planos de governo, de campanhas de divulgação etc.
Gestão escolar: refere-se às diversas etapas de planejamento e desenvolvimento das atividades de direção de uma instituição de ensino. Abrange a construção dos projetos políticos pedagógicos (PPPs), a elaboração dos planos de ação, a gestão dos processos internos da instituição e suas relações com a comunidade.
Para a Política Nacional, a gestão da escola é responsável por organizar espaços e recursos para a inclusão (abarcando o atendimento especializado), além de favorecer uma cultura de promoção da aprendizagem e da singularidade e valorização das diferenças.
O Índex para Inclusão ressalta o papel da direção da escola e da equipe pedagógica em instaurar valores que são essenciais para possibilitar a inclusão tanto entre os educadores quanto com os demais funcionários. A gestão deve visar a uma educação democrática, comunitária, que promova a saúde e a cidadania e combata o preconceito.
Estratégias pedagógicas: referem-se às diversas etapas de planejamento e desenvolvimento das práticas voltadas ao ensino e à aprendizagem. Abrangem as atividades do ensino regular, as ações destinadas ao atendimento educacional especializado e o processo de avaliação de todos os estudantes.
Para facilitar o processo inclusivo de ensino e aprendizagem, o Índex para Inclusão sugere as seguintes estratégias:
- a adoção de uma pedagogia crítica, que incentive a reflexão e seja dialógica e responsiva;
- a aprendizagem com base na experiência;
- a promoção do tema da saúde dentro do currículo e como estratégia interdisciplinar;
- a educação que vise à cidadania, à sustentabilidade e combata a violência;
- a aprendizagem sem rotulação por habilidade.
Enfim, é necessária uma proposta pedagógica que atenda e atinja a todos.
Famílias: refere-se às relações estabelecidas entre a escola e as famílias dos educandos. Abrange o envolvimento da família com o planejamento e o desenvolvimento das atividades escolares e contempla tanto as relações que favorecem a educação inclusiva como as situações de conflito e resistência.
O Índex sugere que a participação da família tenha como características o envolvimento e a aceitação de todos, a colaboração e o "estar juntos", por meio de um engajamento ativo tanto na aprendizagem quanto nas tomadas de decisão, privilegiando o diálogo e a parceria entre os educadores e os familiares.
Parcerias: referem-se às relações estabelecidas entre a escola e os atores externos à instituição em que atuam para dar apoio aos processos de educação inclusiva. Tais atores podem ser pessoas físicas ou jurídicas e abrangem as áreas da educação especial, da saúde, da educação não formal, da assistência social e outros.
Para a Política Nacional, as parcerias entre escola e instituições especializadas são uma forma prioritária de prover o atendimento educacional especializado, seja a partir de organizações públicas ou iniciativas privadas conveniadas. Essas instituições devem agir no sentido de dar apoio à escola, numa modalidade complementar ou suplementar, mas nunca de forma substitutiva.
É importante ressaltar que a educação inclusiva almeja assegurar o direito à educação na perspectiva de propiciar a aprendizagem. Para que esse objetivo maior seja alcançado, duas considerações merecem especial atenção. Em primeiro lugar, temos observado que projetos de educação inclusiva tornam-se consistentes e sustentáveis somente mediante a existência de ações contínuas relacionadas a cada uma das cinco dimensões abordadas anteriormente. Em segundo lugar, entendemos que a aprendizagem deve ser perseguida de forma ampla, envolvendo os estudantes, os educadores e os demais atores da comunidade escolar.
Os tópicos a seguir apresentam análise detalhada dos impactos gerados pelo projeto "Portas abertas", que adota as cinco dimensões da educação inclusiva como estrutura para a organização do texto. Ao final, um dos tópicos dedica-se ao tema da aprendizagem.
Políticas públicas
Inovações com significado e que realmente transformam realidades são, muitas vezes, resultado do encontro de vontades e ações de tomadores de decisão com as vontades e ações dos demais atores da sociedade civil. Um único gestor não consegue fazer esse tipo de mudança sozinho, assim como é muito difícil um só indivíduo criar uma solução que seja escalável e beneficie toda uma cidade, estado ou país.
A questão da inclusão ainda é um desafio em todo o Brasil, principalmente na educação. Apenas por meio do esforço conjunto de representantes das diversas esferas sociais, torna-se factível a construção de soluções capazes de propiciar avanços na garantia de direitos e na valorização das diferenças humanas.
Durante o projeto "Portas abertas", identificaram-se aprendizados e também avanços reais para que a questão da educação inclusiva nas escolas seja cada vez mais pauta das políticas públicas brasileiras. Abaixo, foram destacados os principais aprendizados dos cursistas.
Cidades | Projetos | Escolas |
Belém | 11 | 10 |
Belo Horizonte | 5 | 5 |
Brasília | 4 | 4 |
Cuiabá | 9 | 8 |
Curitiba | 7 | 6 |
Fortaleza | 12 | 11 |
Maceió | 7 | 6 |
Manaus | 10 | 10 |
Natal | 9 | 8 |
Porto Alegre | 8 | 8 |
Recife | 7 | 7 |
Rio de Janeiro | 11 | 11 |
Salvador | 11 | 11 |
São Luís | 4 | 4 |
São Paulo | 7 | 7 |
Total geral | 122 | 116 |
Diversos cursistas mencionaram que as ações práticas provocadas pelo "Portas abertas" os influenciaram a debater e a valorizar cada vez mais a educação inclusiva, utilizando documentos oficiais do poder público, como o Plano Municipal de Educação.3 "Foi de fundamental importância, nesse momento em que a rede de Cuiabá elabora o Plano Municipal de Educação, a reformulação da proposta curricular e a reelaboração dos PPPs (projetos político-pedagógicos)", contou uma integrante da equipe técnica da capital de Mato Grosso. Isso também foi visto em Fortaleza e em outras cidades beneficiadas pelo projeto, com o acréscimo de metas relacionadas à inclusão nesses documentos oficiais.
A Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza realiza trabalho voltado para a educação inclusiva desde antes do projeto "Portas abertas" e se potencializou com o início dessa parceria. A partir das aulas, sugestões de vídeos e das vivências dos projetos, a iniciativa promoveu o fortalecimento de práticas pedagógicas com estratégias inclusivas, não só nas aulas de educação física mas nas demais áreas curriculares por meio da sensibilização de educadores.
Em 2013, um dos principais projetos foi realizado por quatro integrantes da equipe técnica da secretaria e tinha o objetivo de transformar os PPPs (projetos políticos-pedagógicos) das escolas da rede a partir da perspectiva inclusiva.
Ao investigar as possíveis barreiras para a educação inclusiva nas escolas, a equipe da SME de Fortaleza notou a falta de articulação entre as secretárias, a ausência da perspectiva inclusiva nos PPPs das escolas e a dificuldade em manter um acompanhamento do atendimento especial nas escolas municipais.
A principal estratégia do grupo foi a organização de um seminário de formação para os gestores escolares e professores de AEE a fim de instrumentalizá-los para a releitura dos PPPs das 89 escolas que tinham o atendimento educacional especializado. Em seguida, foram constituídos grupos de trabalhos para coordenar as discussões nas escolas e, por fim, foi realizado um segundo encontro para a apresentação desses PPPs redimensionados, já com os resultados obtidos ao longo da implementação do projeto local.
Durante a segunda edição do projeto "Portas abertas", no ano de 2015, os cursistas da equipe da Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza decidiram replicar uma parte da formação em educação inclusiva que estavam recebendo para os demais professores de educação física e de atendimento educacional especializado de toda a rede.
A equipe entrou em contato com a Secretaria Municipal de Esportes e fez parcerias com universidades para a realização de encontros com os professores. Após a avaliação positiva de três seminários, foram desenhadas 11 oficinas com temas específicos, desde judô adaptado até nutrição, para as quais os professores se inscreviam por meio de um site. Em pequenos grupos, os professores tinham a possibilidade de participar de até duas oficinas, já que todas foram realizadas no mesmo dia.
A Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza tinha, em 2015, aproximadamente 2.500 estudantes com deficiência, matriculados em 284 escolas de sua rede de ensino fundamental. A iniciativa da equipe integrante da secretaria e dos outros projetos locais desenvolvidos pelos cursistas impactou 63,3% dos professores de educação física e 99,2% dos professores de AEE da rede. Esse resultado confere importante avanço e continuidade de políticas educacionais inclusivas no município.
Esse desdobramento se deu graças aos debates nas aulas do curso e no contato com o material de apoio. "Artigos, vídeos e aulas do curso estão servindo de subsídio para os projetos das unidades da rede", contou a cursista representante da equipe técnica de Cuiabá. Uma cursista de São Paulo também destacou: "Esse curso oferece uma base teórica. Como coordenadora, não posso ter apenas a minha prática. Preciso de documentação, estar na legalidade. Agora, eu consigo ter minha prática e também usar meu olhar a partir da teoria". Em diversas dimensões de atuação, identificou-se que o "Portas abertas" possibilitou maior embasamento teórico e prático para que os cursistas pudessem se sentir mais seguros em suas atuações e mais embasados para passos maiores. Em todo o Brasil, oito grupos de cursistas realizaram projetos locais envolvendo políticas públicas educacionais ligadas à inclusão de estudantes com deficiência, representando 6,3% de todos os projetos realizados em 2015.
A prefeitura de Curitiba, por exemplo, conseguiu ampliar o número de profissionais de apoio nas quase 400 escolas municipais, fortificando a pauta da educação inclusiva em toda a rede. "Ao atingir uma média de 120 profissionais de apoio distribuídos nas escolas e Centros Municipais de Educação Infantil da Rede Municipal de Educação, foi possível levar aos gestores uma mudança na forma de atendimento e enfatizar as atribuições desse profissional na escola, retornando bons resultados à Secretaria Municipal de Educação", contou a cursista integrante da equipe técnica da rede, ressaltando também a importância da conscientização para ampliar o investimento e a atuação nesse campo estratégico.
Além de avanços concretos nos Planos Municipais de Educação e nas ações diretas das redes de ensino, o "Portas abertas" possibilitou o apoio à formação de professores das redes e também ao trabalho dos assessores pedagógicos.
dos diretores da rede municipal de Curitiba participaram de formação realizada pelo grupo de cursistas da secretaria de educação
A influência na formação não se limitou à inclusão da temática na pauta. "O projeto oportunizou aos setores da educação especial da Secretaria Municipal de Educação, como a equipe responsável pela formação dos professores de educação física, uma parceria no sentido de realizar uma formação complementar a esses profissionais na área da educação física inclusiva", contou uma representante da equipe técnica de Fortaleza. Em Curitiba, um dos projetos locais criados por membros da Secretaria realizou debates e palestras para divulgar o tema da educação inclusiva e a educação física inclusiva na cidade.
Um outro grupo de cursistas da cidade de Belém criou um projeto que propunha instrumentalizar os professores de educação física para atuarem a partir da perspectiva inclusiva. Diante disso, optou-se por trabalhar formação com os professores em duas escolas como plano piloto. O grupo aplicou um questionário a fim de diagnosticar as dificuldades dos professores diante do processo inclusivo para a efetivação de formações em serviço: acompanhamento e assessoramento das atividades nas escolas durante as aulas de educação física.
O maior embasamento para orientação dos professores e elaboração de projetos também fez com que assessores pedagógicos pudessem investir com mais segurança e respaldo na criação e acompanhamento de atividades inclusivas nas escolas. Além disso, muitos relatos apontam como o curso aproximou os professores das escolas, fazendo-os descobrir os estudantes em comum e planejar estratégias para que crianças e jovens fossem beneficiados a partir do trabalho em conjunto.
Em Porto Alegre, o "Portas abertas" foi implementado a partir de parceria com a Secretaria Municipal de Esportes. Educadores sociais e técnicos dessa secretaria foram os principais beneficiados do curso, somando mais de 65% de representatividade na turma. Essa parceria também fez com que os nove projetos locais dos cursistas fossem aplicados em associações parceiras e centros esportivos da cidade, impactando diretamente quase 700 pessoas.
O projeto permitiu que os aprendizados dos cursistas ressoassem em parques, praças, centros desportivos e na própria atuação da Secretaria de Esportes. "Realizamos uma pesquisa que nos deu um diagnóstico de nossa realidade e percebemos que a maioria dos nossos professores trabalha ou já trabalhou com alunos com deficiência. Essa constatação me levou a refletir sobre nossa prática e manter uma discussão e qualificação sistemática sobre o tema", concluiu um dos cursistas. Outro participante reforçou: "Nosso projeto ‘Sensibilização de professores de educação física da Secretaria Municipal de Esportes para a educação física inclusiva’ é um passo para criação de projetos ou atividades futuras na nossa Secretaria, a médio e longo prazo".
"Sou assessora nas escolas da rede e pude conviver com os profissionais da sala multifuncional, na perspectiva de uma visão diferenciada nas aulas tanto em sala de aula como nas aulas de educação física" - Cuiabá
"Ficou mais fácil, como assessor, intervir nas unidades, colaborando na formulação de atividades que levem as pessoas com deficiência a uma melhor socialização" - Cuiabá
Gestão escolar
A gestão da escola tem papel fundamental no processo de inclusão dos estudantes com deficiência e da valorização das diferenças na comunidade escolar. Nesse sentido, os cursistas apontaram a importância do gestor na valorização da educação inclusiva e dos profissionais da área e também das possibilidades de articulação entre os diferentes profissionais da escola.
Muitos depoimentos apontam que o "Portas abertas" permitiu que os profissionais não docentes da escola tivessem uma nova postura, mais colaborativa e de maior respeito e atenção aos estudantes com deficiência. "Os profissionais não docentes estão mais cuidadosos e mais respeitosos. E essa mudança de postura se dá a partir das discussões e reflexões trazidas para o ambiente escolar pelo ‘Portas abertas’, tendo o cursista como multiplicador", contou uma cursista de Salvador. E isso não vale apenas para gestores escolares. No Rio de Janeiro, por exemplo, um profissional da área administrativa sugeriu a implantação de placas em Braille na secretaria da escola como mais um instrumento de inclusão.
Muitos coordenadores pedagógicos também se sentiram mais envolvidos e preocupados com a participação dos alunos com deficiência nas atividades escolares em geral. "A formação auxiliou no planejamento dos momentos de estudo, estudo de casos, e principalmente permitindo embasamento teórico e prático na defesa da educação inclusiva", contou uma cursista do polo de São Paulo. O projeto também trouxe para os gestores escolares o senso de responsabilidade de estarem mais próximos dos educadores. Muitos depoimentos compartilharam como o projeto gerou maior necessidade de acompanhar de perto o planejamento dos professores, pensando em estratégias pedagógicas que contribuam para a aprendizagem de todos os estudantes.
O curso do "Portas abertas" enfatizou a questão da criação ou reestruturação dos projetos políticos-pedagógicos para maior valorização das diferenças na escola e a inclusão de todas e todos. Em Fortaleza, por exemplo, 90% das escolas que contam com profissionais do atendimento educacional especializado (AEE) tiveram o PPP revisto na perspectiva inclusiva. Em São Paulo, uma coordenadora pedagógica conseguiu que a escola em que trabalha realmente usasse a verba da acessibilidade recebida para beneficiar a todos.
No projeto paulistano, a coordenadora pedagógica que participou do "Portas abertas" identificou que era preciso trabalhar a intersetorialidade do Centro Educacional Unificado (CEU)4 com a escola. A cursista entendeu que não havia nenhum tipo de comunicação entre os profissionais que atuam no CEU com os professores da unidade escolar. "Em virtude dos encontros semanais realizados por meio do curso, essa necessidade não só veio à tona como se tornou indispensável para que nossas práxis fossem melhoradas por meio de trocas de informações e experiências. Assim, sincronizamos informações do público atendido pela equipe gestora e pedagógica, buscando melhorias na qualidade do atendimento aos estudantes. A principal intenção era minimizar ou romper com todas as barreiras possíveis em diferentes esferas, fossem arquitetônicas de acessibilidade ou na intenção e execução do trabalho coletivo e colaborativo propriamente dito", explicou a coordenadora.
A cursista, então, aproveitou o espaço do curso para iniciar esses debates, propondo estratégias realizadas em conjunto para que as clientelas atendidas nos dois equipamentos se apropriassem desse espaço de diálogo para extrair o máximo de aproveitamento das práticas e ampliar o repertório de vivências coletivas. Com isso, foi possível promover mudanças na arquitetura da instituição, utilizando a verba destinada à acessibilidade, por meio da implantação de pisos táteis e corrimãos em todos os corredores da escola, beneficiando mais de 1.100 estudantes, além de professores, gestores e funcionários.
Em Belém, até os familiares começaram a participar mais do cotidiano escolar e das reuniões de construção do PPP. Esse é um ponto muito positivo, uma vez que um dos princípios norteadores deste documento é o envolvimento ativo de todos os atores da comunidade escolar para a realização de um diagnóstico da escola e definição de um plano de ação para a transformação desejada.
O PPP é coletivo e integrador. O curso, de certa forma, apoiou essas características ao ressaltar como o documento está voltado para a inclusão, observando a diversidade de estudantes, suas origens culturais, necessidades e expectativas educacionais. Ele também deve estar pautado no princípio de igualdade de condições para o acesso, a permanência e garantia de aprendizagem de todos os estudantes.
"A formação auxiliou no planejamento dos momentos de estudo, estudo de casos, e principalmente permitindo embasamento teórico e prático na defesa da educação inclusiva" – São Paulo
Estratégias pedagógicas
O projeto "Portas abertas" apoiou a criação de caminhos para que estudantes com deficiência participassem ativamente das aulas de educação física e fossem realmente incluídos em toda a rotina escolar. Dos 121 projetos locais apresentados pelos cursistas, 83,3% abordaram a dimensão de estratégias pedagógicas — um aumento de um terço de projetos que optaram por essa abordagem para estruturar o plano de ação em relação à edição de 2013.
Diversos depoimentos de cursistas do projeto destacaram a articulação entre os profissionais do atendimento educacional especializado (AEE) e os professores de educação física. Isso ampliou as possibilidades de trabalho em conjunto, além de permitir maior valorização de cada uma das profissões. "A integração desses profissionais foi um dos fatores importantes nesse processo. A troca de experiências favoreceu um trabalho melhor elaborado pelos professores do AEE e de educação física e a coordenação pedagógica. Como coordenadora, senti mais segurança em trabalhar com os professores nos planejamentos", contou uma cursista de Natal (RN).
Na capital do Rio Grande do Norte, um grupo de cursistas trabalhou jogos e brincadeiras que fazem parte da cultura local. Foi realizado um levantamento junto aos estudantes do 6º ano e familiares sobre os jogos e as brincadeiras com intuito de promover momentos para que essas atividades fossem realizadas na escola, fazendo com que os alunos brincassem juntos e se divertissem, enquanto planejavam flexibilizações que visassem à participação de todos.
O "Portas abertas" aponta esse tipo de atuação conjunta como ponto chave para um processo de inclusão efetivo. Como já foi ressaltado, não será um único professor que conseguirá resolver sozinho todos os desafios que tem em sala de aula. Está cada vez mais claro que é preciso uma visão sistêmica e, principalmente, a capacidade de se unir a diferentes atores da comunidade escolar para encontrar e aplicar as soluções que beneficiarão todos os estudantes.
Cursistas também contaram que essa aproximação com os professores de educação física mudou o seu relacionamento com os alunos com deficiência. Agora as potencialidades dos estudantes são percebidas e valorizadas. Muitos depoimentos citam como a relação entre os professores de educação física e os de AEE ampliaram o diálogo e despertaram uma relação mútua de reconhecimento. Em Belo Horizonte (MG), esses dois tipos de educadores se uniram e conseguiram incluir um estudante com paralisia cerebral nas aulas de educação física por meio da bocha inclusiva. "A partir do Projeto ‘Portas abertas’, criou-se um canal de diálogo entre professor do AEE e as professoras de educação física. Trocamos opiniões sobre formas de promover a inserção dos alunos nas aulas", contou uma cursista da cidade.
As ações articuladas se estenderam a outros educadores e também a funcionários não docentes que mudaram de postura, passando a ser mais colaborativos e abertos às novas possibilidades de trabalho junto aos alunos público-alvo da educação especial. Segundo a percepção dos cursistas, esses profissionais demonstram maior respeito e atenção para com os alunos. Muitos depoimentos relatam a vivência em uma nova perspectiva educacional e pedagógica e o aumento de sensibilidade no olhar e na atuação desses profissionais dentro e fora da escola.
"Olhar para o próximo com mais empatia. Entender que todo ser humano tem potencialidades e limitações." - Cuiabá
"Uma grande sensibilização em relação à inclusão e não só no âmbito escolar como na vida cotidiana." - Belém
Assim como na dimensão Políticas Públicas, o "Portas abertas" também apoiou os cursistas nas estratégias pedagógicas ao possibilitar o aprofundamento teórico e prático na área da educação inclusiva. O curso oportunizou a visualização de novas possibilidades para o planejamento e desenvolvimento de atividades que focassem as potencialidades dos estudantes com deficiência.
Como pôde ser visto no início deste relatório, a metodologia de elaboração de projetos locais do "Portas abertas" se baseia em três grandes momentos: Elaboração de diagnóstico; Elaboração de plano de ação; e, Implementação e avaliação.
Nos depoimentos dos participantes do curso, foi identificado que essa jornada de criação de um projeto local se ampliou e foi além dos encontros formativos. Diferentes atores das escolas passaram a realizar diagnósticos, criar novos projetos e soluções para problemas cotidianos, além de implementar as ideias em seu dia a dia, como é possível verificar em alguns depoimentos abaixo.
"De certa forma mudou tudo, pois, antes de aplicar novos exercícios e novas atividades, eu crio um diagnóstico sobre a turma que vai desenvolvê-los e, antecipando as possíveis dificuldades, acabo recriando regras e opções que incluam a todos."
"A vivência no ‘Portas abertas’ permitiu que alguns preconceitos fossem diagnosticados e trabalhados ao longo do curso e, principalmente, que eu olhasse para meu aluno com deficiência na sua potencialidade, e não a partir da deficiência, passando a compará-lo consigo mesmo."
"Me fez atuar com mais planejamento e responsabilidade, procurando não só dinamizar minhas intervenções na Sala de Recursos Multifuncionais como também me proporcionou condições de despertar a criatividade que estava meio adormecida, questionando minha prática e me lançando em busca de outras possibilidades de trabalho para alcançar o objetivo pretendido."
"Acredito que estamos mais próximos, planejando e pensando juntos em estratégias que beneficiem não só os alunos com deficiência mas todo o grupo de estudantes."
"O diálogo entre professores de educação física e a professora do AEE foi ampliado e o planejamento tornou-se conjunto."
"As posturas frente ao planejamento, ajustes e ações compartilhadas foram ampliadas."
"A experiência me possibilitou a ampliação do olhar sobre as diferentes situações e que sempre se pode mudar o recurso, as regras, as estratégias para facilitar o processo de ensino-aprendizagem de forma a contribuir com a inclusão de forma geral."
"Vim de uma formação de educação física adaptada que só excluía achando que estava buscando soluções para a limitação do aluno. Hoje percebo o erro pois só excluía e limitava. Por isso, foi importante para minha formação, no sentido de aprender o verdadeiro conceito de inclusão, aprofundando meus conhecimentos e mudando minha prática pedagógica com ações voltadas para promover o acesso e participação de todos."
"Houve uma mudança muito significativa. Os professores passaram a entender e conhecer as necessidades dos alunos, passaram a buscar recursos para melhor atendê-los. A professora do AEE deu um suporte com relação à elaboração dos relatórios, como também na seleção de atividades. Os professores passaram a ter um ‘outro olhar’ para as necessidades dos alunos, e o contato com a família tem melhorado bastante."
Famílias
O "Portas abertas" reforça o conceito de familiares como grandes aliados dos professores, dos gestores e da escola como um todo. Em todo o Brasil, mais de 8.600 familiares foram impactados diretamente com a iniciativa do Instituto Rodrigo Mendes, UNICEF e Fundação FC Barcelona a partir das intervenções realizadas pelos cursistas. No total, 31 projetos locais foram desenvolvidos com ênfase no fortalecimento do relacionamento com as famílias dos estudantes.
Exatamente por isso, defende-se que é preciso ir além do contato pontual com as famílias apenas nas horas de solucionar problemas. Esse público deve ser envolvido em todo processo de inclusão e rotina escolar, seguindo com a parceria diária e, até mesmo, a participação em eventos e projetos realizados por professores e alunos.
O curso do "Portas abertas" aproximou seus participantes com princípios e instrumentos que ampliam a relação com as famílias por meio de estratégias, como a escuta familiar. Essa ferramenta possibilita que educadores e gestores escolares apoiem os familiares dos estudantes com relação ao reconhecimento do potencial e aos direitos de todas as crianças.
Tal suporte busca o fortalecimento dos vínculos com os familiares. Durante o curso, foi debatido como a escola é a instituição que faz a conexão entre o circuito privado (família) e o circuito social (comunidade). Essa função mediadora tem a responsabilidade de apoiar as famílias e buscar sustentação para que crianças e adolescentes não abandonem a escola.
A professora Marise Bastos, no entanto, alertou durante uma das vídeo-aulas que esse apoio aos familiares deve criar uma rede de proteção à infância e às famílias. "Todos os atores sociais devem olhar para as famílias e conhecer situações de vulnerabilidade para dar suporte e amparo para que essas famílias não lancem as crianças numa posição de descuido nessas condições." Esse apoio fortalece os vínculos entre os indivíduos, entre a família e a escola, além de resgatar a potência e o protagonismo desse ator. "A aceitação por parte dos responsáveis é de suma importância para que o aluno avance. E temos caso de pais que não colaboravam com a escola, não aceitando e nem buscando a ajuda de que seus filhos precisavam. Houve avanços no diálogo com esses pais e, consequentemente, em relação à aprendizagem dos alunos", contou uma cursista.
Ainda durante a execução do projeto, mais de 40% dos respondentes da pesquisa de impacto afirmaram que as famílias estão mais presentes, motivadas e participativas, ou que esse vínculo se fortaleceu. Os familiares passaram a procurar a escola para acompanhar as atividades e trocar experiências, assistir às aulas, participar de reuniões e eventos, colaborar em momentos como hora da alimentação e recreação. Estavam também cobrando mais que os alunos participassem ativamente das atividades propostas.
Mais do que números e porcentagens, o "Portas abertas" conseguiu evidenciar, a partir de depoimentos de cursistas de todas as 15 cidades participantes, o avanço na relação entre escolas e famílias para o desenvolvimento dos estudantes com e sem deficiência a partir da perspectiva inclusiva.
"As famílias estão mais participativas e atuantes, procurando a escola para tirar dúvidas, bem como solicitando ajuda e orientações para acompanhar os filhos em casa."— Fortaleza
Em Cuiabá (MT), um cursista enxergou a dificuldade dos familiares em aceitar a deficiência de suas filhas e filhos e, por isso, o processo de inclusão desses estudantes na escola se tornava desafiador. "O não reconhecimento da deficiência da criança pode afetar sua autoestima, e isso poderá vir a ser fator complicador do processo de aprendizagem e, consequentemente, sua inclusão não se dar efetivamente", destacou após diagnóstico com informações colhidas juntamente com a coordenação pedagógica que apontavam ser a resistência de alguns familiares um fator dificultador do diagnóstico clínico dos alunos e, muitas vezes, retardativo das ações concretas e necessárias para o aprendizado das crianças.
Diante desse contexto, o projeto local realizado buscou conscientizar as famílias de aproximadamente 15 estudantes com deficiência sobre a importância de aceitarem e acolherem suas filhas e seus filhos, participando ativamente da vida escolar delas ou deles como forma de viabilizar sua inclusão efetiva na escola.
Chamado de "Abraço", o projeto tinha como estratégia trabalhar a aproximação pela corporeidade e envolveu mães, pais, avós e estudantes em oficinas de desenho, movimento, modelagem e massagem. As atividades foram escolhidas por permitirem aproximação afetiva, cognitiva e motora entre os participantes por meio de toques, olhares e releituras do próprio corpo e do corpo do outro.
O encerramento do projeto aconteceu durante o Dia da Família na Escola, evento já tradicional no estabelecimento, ampliando as atividades para cerca de 500 familiares.
Em Natal, um grupo de cursistas realizou o trabalho final envolvendo alunos e familiares em uma pesquisa sobre brinquedos antigos. Em seguida, essas descobertas foram concretizadas com a utilização de materiais recicláveis e usados pelas crianças na hora do intervalo.
No Recife, um dos projetos locais dos cursistas buscou promover a participação efetiva dos pais na vida escolar das crianças com deficiência ou transtornos do espectro autista, reconhecendo a importância da prática esportiva e do cotidiano escolar para o desenvolvimento global de todos os estudantes, realizando reuniões com pais e circuito com os alunos.
Em São Paulo, um dos projetos locais buscou ampliar os conhecimentos e as vivências com brincadeiras eleitas pelos alunos e familiares, como pega-pega, empinar pipa, jogar bola, dança, bater cards e jogos de quebra-cabeça.
"Os familiares não estão mais na defensiva. Agora eles estão buscando a escola e sendo orientados na busca de tratamento de seus filhos."— Cuiabá
"No primeiro momento, os familiares ficaram distantes, porém, nos encontros seguintes, eles começaram a se envolver e a participar mais, a convidar os demais pais para estarem presentes e participando não só do projeto mas também da vida diária de seus filhos, bem como das outras crianças da escola."— Cuiabá
"As famílias têm participado mais de reuniões nos auxiliando na construção do PPP, conselho escolar e demais atividades e projetos desenvolvidos na escola sempre que necessário."— Belém
"A aproximação com a família tem sido nosso maior ganho. Com a introdução da escuta familiar, barreiras vêm sendo quebradas, caminhos sendo abertos e a troca das dificuldades e das conquistas sendo compartilhadas."— Rio de Janeiro
"Depois que realizamos a escuta familiar, momento em que os responsáveis puderam trocar experiências, sentimos que todos estão mais próximos, com vontade de participar das atividades escolares."— Rio de Janeiro
"O interesse e a participação foram despertados, provocando ações como convidar outros pais para grupos em busca de melhorias físicas de uma escola inclusiva."— Belém
Durante todo o projeto, em diferentes cidades foi possível notar que aproximar a família da escola vai além de trazer benefícios para o trabalho dentro de sala de aula. Ao compreender melhor a realidade educacional do filho, participar de perto desses momentos e vivenciar os pequenos e grandes avanços dos estudantes com deficiência, os familiares começaram a perceber e valorizar as potencialidades dessas crianças e jovens. "As famílias, que muitas vezes não tinham a crença de que o aluno pudesse ter alguma competência, passaram a acreditar que existem possibilidades que até então não haviam sido observadas", relatou uma cursista de Belo Horizonte.
Em Belém, um dos grupos de cursistas criou um projeto que buscou envolver a família dos alunos com deficiência nas ações pedagógicas da educação física. Nele foram realizados três encontros: no primeiro, puderam compartilhar experiências de vida; no segundo, houve uma palestra sobre os direitos das pessoas com deficiência, e o último a foi a participação das famílias em uma aula inclusiva de educação física. Em Natal, um outro exemplo, os cursistas realizaram uma pesquisa sobre brinquedos e brincadeiras antigas e confeccionaram materiais referentes às descobertas utilizando objetos recicláveis, juntamente com estudantes e familiares.
"Se formos parceiros, a inclusão vai acontecer de maneira mais efetiva. Dentro dessa perspectiva, a família sentiu-se segura e investindo no potencial dos seus filhos"— Cuiabá
Parcerias
Estudos sobre educação inclusiva demonstram que as parcerias desempenham importante papel no processo de transformação das escolas. Tais alianças podem ser estabelecidas entre a instituição de ensino e representantes de seu entorno (indivíduos ou organizações), que colocam sua experiência e seu conhecimento à disposição da gestão escolar e da equipe pedagógica.
Em Fortaleza, por exemplo, uma parceria estabelecida entre a escola e seu Conselho permitiu que os alunos aumentassem sua frequência tanto no ensino regular quanto no atendimento do atendimento educacional especializado (AEE). No Recife, o resgate de uma parceria com a Universidade Federal de Pernambuco permitiu a realização de mais práticas esportivas inclusivas dentro da escola. Em Brasília, uma equipe de rugby foi convidada para trabalhar a inclusão a partir do jogo de hóquei. Já em Porto Alegre, fruto de uma parceria com um centro comunitário para a realização do "Portas abertas", um grupo de cursistas realizou um projeto que propunha um passeio inclusivo que sensibilizasse a comunidade para as barreiras existentes no entorno da instituição.
Às vésperas dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, uma escola próxima ao estádio do Maracanã decidiu criar o projeto de Olimpíada Inclusiva para aproximar familiares, levar a questão da inclusão para a escola e trazer parceiros externos para que essa missão fosse cumprida. Sob o lema "Um por todos e todos por um", o projeto desenvolvido por cursistas do "Portas abertas" envolveu todos os estudantes da escola e foi realizado por um mês, durante as aulas de educação física. Na abertura, a escola conseguiu firmar parceria com atletas cadeirantes, que realizaram uma partida demonstrativa, e um dos convidados foi o técnico da Seleção Brasileira de Basquete em Cadeira de Rodas, Antonio Carlos (Pulga). Também foi feita uma apresentação sobre a importância do esporte na vida de todas as crianças, com depoimentos de convidados e atletas.
No total, 10 projetos locais dos cursistas foram desenvolvidos com base na dimensão de criar e fortalecer parcerias que beneficiassem o processo de inclusão na escola. "Desde o conhecimento da implantação do projeto ‘Portas abertas’ na escola, houve grande abertura e aceitação das propostas apresentadas. Com os resultados positivos, o engajamento foi ampliando, havendo inclusive cobranças de novas ações", contou uma cursista de Maceió.
"Um exemplo muito bacana foi a interação que tivemos nos ensaios e nas próprias danças da festa junina, em que os alunos do Fundamental II dançaram juntos com os alunos do Fundamental I, auxiliando os estudantes com dificuldades e também os alunos com deficiência que participaram de diversas quadrilhas. Todo esse conceito teve início com o Projeto Rugby para Todos: Jogando com as Diferenças. O legal foi que a festa foi um sucesso e víamos a felicidade dos nossos alunos por poder participar de tudo."— São Paulo
"Conseguimos uma parceria com o Núcleo de Educação para o Trabalho (NET). Os alunos que estão incluídos na nossa escola participam de um curso de formação e podem ingressar no mercado de trabalho."— Recife
Aprendizagem
A aprendizagem é um processo complexo que acontece em todos os níveis do sujeito que a vivencia. O maior potencial transformador do "Portas abertas" é exatamente a democratização desse processo, contemplando estudantes, educadores, gestores, funcionários, famílias e demais atores da comunidade escolar.
Para 90% dos cursistas que responderam à avaliação final do "Portas abertas", a formação propiciou mudanças em sua atuação profissional. Dentre as aprendizagens de educadores e gestores, estão o aperfeiçoamento da prática pedagógica, um novo olhar sobre a educação inclusiva, a ampliação de conhecimentos teóricos e práticos, a descoberta de novas possibilidades e experiências e o sentimento de melhor preparo e segurança para atuar no contexto da educação inclusiva.
"A partir da formação realizada, hoje busco pensar em estratégias mais inclusivas. Também deixo as portas abertas para que o aluno traga o seu jeito de desempenhar cada tarefa dentro do seu melhor", contou uma educadora de Porto Alegre, representando a opinião de muitos cursistas que destacaram o quanto a formação oportunizou a visualização de possibilidades de atuação com os alunos com deficiência, assim como a importância do planejamento e do desenvolvimento de atividades focadas nas potencialidades e habilidades de todos os alunos de suas turmas.
Para uma cursista de Cuiabá, o curso foi realmente uma grande oportunidade de aprendizagem e reflexão sobre a docência, pois "veio consolidar e transformar a minha prática pedagógica, acreditando no potencial do aluno, principalmente nas atividades de Educação Física".
Uma cursista de Belo Horizonte percebeu muitas mudanças não só em sua atuação profissional mas em suas atitudes e seus pontos de vista: "a formação fez toda a diferença no meu trabalho. Desde que comecei os estudos sobre inclusão, não parei mais. Minhas aulas melhoraram, minha conversa mudou, meu olhar sobre a escola mudou".
O "Portas abertas" também proporcionou a ampliação e a busca de conhecimentos, fornecendo embasamento teórico e prático, o que impactou a atuação dos educadores com os alunos no dia a dia da escola. Segundo uma cursista do Rio de Janeiro, é justamente por meio do conhecimento teórico que se torna possível melhorar a prática pedagógica: "apesar de já realizar a inclusão em minhas aulas, [o curso] aumentou o meu conhecimento e o meu interesse sobre o assunto. O conhecimento teórico é muito importante para aperfeiçoarmos a prática".
Além disso, gestores e coordenadores pedagógicos também se sentem mais seguros para orientar os professores diante dos desafios da educação inclusiva. "Como coordenação, eu posso contribuir conversando e orientando os professores não só os de educação física mas os de áreas específicas, durante o planejamento", declarou uma cursista de Fortaleza. Uma coordenadora pedagógica de São Paulo complementou: "a formação auxiliou principalmente permitindo embasamento teórico e prático na defesa da educação inclusiva".
Para muitos cursistas, o conhecimento adquirido na formação foi o estopim inicial rumo ao aprofundamento e à maior dedicação no tema. Para uma educadora de Curitiba, essa "busca por novos desafios será cada vez mais constante", pois "o curso proporcionou a base necessária para tornar a educação Inclusiva uma realidade no ambiente escolar".
"Nunca havia realizado nenhuma formação na área da Educação inclusiva. Essa formação me abriu novos horizontes de pesquisa e prática docente."— Fortaleza
"Meu aprendizado foi imenso e muito gratificante. Meu olhar em relação às crianças também se modificou, ficando mais sensível e mais atento. Sempre tive grande interesse e afeição por esse público e, com este curso, pude ter a oportunidade de ter muito mais conhecimento sobre ele e aflorar a ideia de cursar uma especialização sobre esse assunto."— Porto Alegre
"Com o curso, percebi que é mais que dar oportunidade e fazer valer direitos; é incentivar a independência, o empoderamento, a liberdade; é ampliar o olhar e pensar um planejamento na perspectiva da equidade."— Cuiabá
"Do que vocês mais têm gostado em relação à bocha inclusiva?", diz a professora. E um dos alunos respondeu: "O que mais gostei foi de ver o Pedro praticar um esporte e poder jogar com ele."
O diálogo acima, estabelecido entre uma professora e seus alunos em Belo Horizonte, não é incomum entre os beneficiados pelo projeto "Portas abertas". Mais do que trabalhar com educação inclusiva, a iniciativa faz com que todas as pessoas envolvidas nos processos educacionais desenvolvam a habilidade de se relacionar com as diferenças. "Percebi que primeiramente estão vendo uma pessoa antes da deficiência, seja qual for", contou uma cursista de Curitiba.
Também se identificou maior conscientização e envolvimento dos alunos sem deficiência. Eles compreenderam que todos possuem dificuldades, habilidades e podem participar de tudo, sendo necessárias algumas flexibilizações em determinadas atividades. Os educadores também notaram um avanço no convívio entre todos os estudantes, favorecendo valores, como respeito às diferenças, colaboração e empatia.
Cerca de 40% dos entrevistados acreditam que houve uma mudança de atitude em relação aos alunos público-alvo da educação especial. "Foram várias as mudanças observadas. De respeito às diferenças, de solidariedade nas acessibilidades, de colaboração nas tarefas escolares etc. Alunos com deficiências eram, algumas vezes, motivo de chacotas entre alguns colegas; atualmente percebem-se ações de cooperações mútuas e coleguismo. Ou ainda, na hora do embarque/desembarque do transporte escolar, passaram a dar prioridades e colaboração", contou uma cursista de Maceió.
Em questionário de avaliação de impacto do projeto, quase metade dos respondentes (48%) apontou que os alunos público-alvo da educação especial estavam mais confiantes e motivados a participar de todas as atividades, interagiram melhor com os demais. Apresentaram também autoestima mais elevada e maior autonomia, impondo-se quando necessário. Muitos saíram da passividade e se tornaram sujeitos atuantes no processo de ensino-aprendizagem.
Os próprios alunos passaram a perceber o colega como uma pessoa capaz de realizar ações que antes achavam impossíveis, demonstrando respeito pelo ritmo do outro. "O ganho do grupo é que fez a diferença. Os alunos desenvolveram um senso de cidadania que pouquíssimas pessoas têm hoje", relatou uma cursista de Manaus. Os especialistas do Instituto Rodrigo Mendes reforçam como o "Portas abertas" trabalha para que todos os atores do processo educacional aprendam a lidar com heterogeneidade humana.
"Um dos alunos com diagnóstico de autismo se surpreendeu com as atividades realizadas, comentando-as com a mãe em casa que era muito difícil se colocar no lugar do outro. Esse aluno mostrou compreensão sobre a educação inclusiva e, mesmo em sua situação, colocou-se à disposição para ajudar todas as pessoas."
"No momento em que eles se sentem tratados como os outros e participando de todas as atividades, suas capacidades se tornam aguçadas, e a autoestima faz um enorme bem tanto na socialização quanto na aprendizagem e também em casa (conforme conversa com os pais). O futebol da hora do intervalo já flui lindamente entre os alunos com e sem deficiência, por exemplo."- Natal
Conclusão
Este relatório apresenta uma síntese dos resultados gerados com o projeto "Portas abertas para a inclusão — Educação Física Inclusiva". Nosso objetivo é influenciar gestores de orgãos públicos e organizações comprometidas com o tema dos direitos da pessoa com deficiência para a criação de políticas inclusivas no campo da educação, da educação física e do esporte. Ao mesmo tempo, almejamos contribuir para a construção de conhecimento sobre inclusão escolar por meio da divulgação das experiências educacionais desenvolvidas pelos participantes do projeto.
Segundo o artigo 30 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que trata da "Participação na vida cultural e em recreação, lazer e esporte",
"5. Para que as pessoas com deficiência participem, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de atividades recreativas, esportivas e de lazer, os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para:[…]
d) Assegurar que as crianças com deficiência possam, em igualdade de condições com as demais crianças, participar de jogos e atividades recreativas, esportivas e de lazer, inclusive no sistema escolar" (grifo nosso). 1
O "Portas abertas" ofereceu a seus participantes repertórios e ferramentas voltados à eliminação (ou redução) no ambiente escolar de barreiras que impedem a plena participação dos estudantes com deficiência. Tal estratégia está alicerçada na definição de pessoa com deficiência apresentada pela referida Convenção, quer seja:
"Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas."2
Dessa forma, pretendemos colaborar para a construção de uma sociedade inclusiva por meio de uma concepção de educação em que todas e todos usufruam das mesmas oportunidades de forma equitativa.
A seguir, apresentaremos os principais avanços e desafios gerados pelo projeto "Portas abertas", organizados a partir das cinco dimensões da educação inclusiva.
No primeiro semestre de 2015, um dos temas considerados mais importantes para a área da educação no Brasil foi a criação dos Planos Municipais de Educação (PME). Por determinação expressa no Plano Nacional de Educação (lei 13005/2014), todos os municípios brasileiros deveriam elaborar seus próprios planos até 25 de junho do referido ano. Esse tema fez parte do cotidiano de vários de nossos cursistas que, influenciados pelas discussões ocorridas nas aulas, desenvolveram propostas para a promoção de uma educação mais inclusiva em suas cidades.
Outro destaque das formações realizadas pelos grupos de cursistas das secretarias municipais de educação é que conseguiram impactar percentuais significativos de professores de educação física e do atendimento educacional especializado (AEE) de suas redes, além de terem influenciado outros segmentos. As cidades de Curitiba, Fortaleza e Maceió formaram quase a totalidade dos professores do AEE, o que possibilitou um olhar mais abrangente para todo o conjunto de profissionais desse serviço.
O conhecimento sobre os mecanismos de utilização dos programas de apoio à educação inclusiva desenvolvidos pelo Ministério da Educação também foi um aspecto considerado relevante. Alguns cursistas relatam que conseguiram novas verbas para melhorar a acessibilidade das unidades de ensino ainda em 2015.
Quanto a desafios futuros, alguns assuntos merecem destaque. Primeiramente, os gestores públicos precisarão canalizar esforços para a efetivação do Plano Nacional de Educação e seus desdobramentos nas instâncias estaduais e municipais. Considerando que a educação inclusiva perpassa todas as modalidades e níveis de ensino, é fundamental que esse tema esteja presente em todos os fóruns de acompanhamento e avaliação do Plano. Isso envolve o cumprimento das diversas metas estabelecidas, o que pressupõe investimentos contínuos em formação de educadores, infraestrutura, transporte etc.
Outro desafio é eliminar a dispersão de esforços entre dois sistemas paralelos, o comum e o especial, para acabar, na educação, com a exclusão dos estudantes com deficiência. De acordo com a ONG Inclusion International em seu relatório "Implicações da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência na Educação para Todos" (The Implications of the Convention on the Rights of Persons with Disabilities for Education for All),
"Esta exclusão existe porque há duas agendas paralelas para educação. Uma agenda promove investimento e monitoramento dos sistemas de educação como um todo; e a outra se concentra nas necessidades de educação especial de crianças e jovens que têm uma deficiência" (tradução nossa).3
Nas unidades de ensino onde nossos cursistas desenvolveram seus projetos, foram realizadas formações com estilos e tempo de duração diversos para públicos variados, dependendo do objetivo de cada grupo. Familiares, estudantes, professores, gestores e profissionais não docentes participaram de sensibilizações e discussões sobre temas relevantes para a educação inclusiva. Segundo depoimento de diferentes atores participantes dos projetos, essas estratégias promoveram mudanças atitudinais positivas e significativas dessas pessoas em relação aos estudantes com deficiência.
A reestruturação dos projetos político-pedagógicos (PPPs) foi outro ponto positivo apontado por nossos cursistas. Quando feita de modo democrático e participativo, a discussão do PPP permite questionar posicionamentos estereotipados em relação aos estudantes com deficiência, o que possibilita à comunidade melhor conhecimento do paradigma da inclusão e redução da barreira atitudinal.
Para 2016, continuará como desafio a adequação ou a readequação dos PPPs. Essa tarefa deve mobilizar toda a comunidade escolar, de forma que esse processo possibilite um alinhamento mais claro entre todos e melhor compreensão das expectativas em relação à aprendizagem dos estudantes com e sem deficiência. Além disso, o projeto político-pedagógico orienta as formações locais, o estabelecimento de parcerias e os instrumentos de avaliação a serem utilizados.
A maioria dos projetos locais priorizou a dimensão das estratégias pedagógicas para estruturar os planos de ação. É importante lembrar que o objetivo do curso de formação sobre educação física inclusiva oferecido aos 15 municípios participantes não era apresentar "receitas prontas" a serem replicadas no ambiente escolar. A proposta era fomentar nos cursistas uma atitude autoral de forma a explorar positivamente as condições concretas existentes, seja do ponto de vista da infraestrutura física ou dos recursos humanos disponíveis. Com base na realidade existente, cada cursista deveria desenvolver um planejamento de aulas e atividades, mirando as mudanças necessárias para viabilizar a participação de todas e todos.
Para iniciar seus projetos, vários grupos realizaram a sensibilização de seus públicos-alvo. Por meio de seminários, palestras, grupos de estudos e vivências, pretenderam promover reflexões acerca de aspectos das vidas das pessoas com deficiência. Alguns dos materiais e dinâmicas usados nessas sensibilizações foram: videoaulas do curso de formação, vídeos com participação de pessoas com deficiência, vídeos com as atividades desenvolvidas na unidade escolar, inclusão reversa (simulação de uma deficiência), entre outras.
Outro ponto de destaque foi a utilização de estratégias que envolvessem os estudantes na escolha das atividades, na construção de regras e na nomeação dos jogos, tendo como premissa garantir a participação de todos. Destacamos esses pontos, pois consideramos a escuta dos estudantes uma ferramenta muito poderosa, na medida em que favorece o senso de corresponsabilidade pela transformação do ambiente escolar.
Durante o diagnóstico (etapa inicial do projeto local), vários grupos constataram a escassez de equipamentos específicos para desenvolver as atividades físicas. A principal solução encontrada foi construí-los coletivamente, a começar pela coleta de materiais recicláveis entre os estudantes e a comunidade do entorno. Importante notar que essa solução foi criativa e possibilitou o empoderamento dos alunos, desde o recolhimento dos materiais até a criação dos equipamentos por meio de oficinas. A elaboração de propostas interdisciplinares com o tema da sustentabilidade permitiu que os estudantes tivessem apropriação mais ampla da inclusão.
Alguns projetos locais exploraram atividades esportivas e culturais, como badminton, vôlei, ginástica, dança, capoeira, brincadeiras e atividades folclóricas, entre outras. Por um lado, cada uma dessas atividades, separadamente, pôde ser repensada pelos integrantes do grupo; por outro, a variedade de propostas em um mesmo projeto permitia a escolha daquelas que precisavam de pouca ou nenhuma flexibilização, resultando também na criação de novos esportes.
A escuta ativa dos estudantes, um desafio constante na educação, favorece a construção de um ambiente mais inclusivo, que considera as singularidades de todos e de cada um. Essa estratégia facilita a busca por soluções que reduzam barreiras por meio do planejamento das aulas e de atividades para que todas e todos possam participar de forma autônoma.
Outro desafio mais amplo é considerar a introdução de temas interdisciplinares, por exemplo a sustentabilidade, dentro dos projetos locais. A partir dessa inter-relação, é possível que os educadores e estudantes ampliem o conceito de inclusão e busquem de forma qualificada uma educação efetivamente inclusiva.
Nossos cursistas também promoveram atividades de sensibilização para se aproximar das famílias e apresentar-lhes o tema da educação inclusiva. Além das dificuldades e questões individuais dos estudantes, que normalmente norteiam a maior parte das interações entre educadores e familiares, esses cursistas discutiram com as mães, os pais e os responsáveis pelos alunos com ou sem deficiência vários aspectos das atividades escolares, como a importância da participação de todos nas atividades de educação física. Foram realizadas também vivências de inclusão reversa, em que os adultos simulavam uma deficiência e eram provocados a observar o conjunto de habilidades que se sobrepõem a um determinado impedimento físico, intelectual, sensorial etc. Nesse diálogo, foi possível salientar as potencialidades dos estudantes com deficiência para as famílias que desconheciam ou não acreditavam na possibilidade de inclusão de todos na escola comum.
A escuta familiar aborda a inversão de uma lógica muito comum nas escolas: o educador é quem fala; os familiares somente ouvem. Esse importante instrumento visa ao início de um diálogo em que os atores enxergam-se como parceiros, sem distinção de importância.
Melhorar cada vez mais a quantidade e a qualidade da participação das famílias é um desafio permanente que pode ser enfrentado por meio dos Conselhos Escolares e das Assembleias de Familiares. Esses organismos precisam de um forte apoio da gestão das instituições de ensino para que exerçam seu papel com eficiência. Pensar novas formas de participação, talvez algumas remotamente, é uma alternativa que deve ser considerada na busca de soluções.
Observamos que os cursistas compreenderam a proposta do trabalho coletivo salientada pelo projeto "Portas abertas", pois adotaram estratégias pautadas na atuação em conjunto com atores externos à unidade escolar, tais como pessoas físicas ou jurídicas nas áreas do esporte, da educação especial, da saúde, da educação não formal e da assistência social, entre outros. Em alguns casos, as parcerias já existiam de forma sistemática e, em outros, foram feitas para a viabilização ou qualificação dos projetos locais.
Dentre os exemplos de parcerias identificadas, estão equipamentos da área da saúde, que garantiam vagas aos estudantes da localidade; organizações esportivas, que trouxeram práticas até então desconhecidas pelos estudantes e atividades de inclusão reversa. Além disso, atletas (na maioria das vezes de esportes paraolímpicos) dividiram suas experiências com os grupos, enquanto comerciantes locais contribuíram financeiramente para a confecção de materiais especifícos utilizados nas apresentações dos alunos.
O desafio de estabelecer parcerias que ajudem a melhorar o atendimento a todas e todos os estudantes deve ser orientado pelo PPP da escola, ou seja, a partir de um planejamento que busque formas de viabilizá-las sempre dentro dos objetivos pedagógicos que pretendem alcançar.
Durante os meses de outubro e novembro de 2015, a equipe do Instituto Rodrigo Mendes visitou as 15 cidades que participaram da segunda edição do projeto "Portas abertas" com o objetivo de testumunhar presencialmente os impactos gerados pela iniciativa. Nessas viagens, ouvimos inúmeras histórias, registramos várias atividades4 e ficamos afetados pelas experiências narradas por nossos cursistas. Para finalizar o relatório, apresentamos abaixo algumas impressões resultantes das visitas presenciais e da leitura dos dados quantitativos e qualitativos ao final do projeto.
Primeiramente, notamos que a metodologia adotada pelo curso de formação, segundo a qual cada cursista deveria elaborar um diagnóstico e propor um plano de ação, mostrou-se bastante eficiente e transformadora. Vários participantes comentaram que o exercício de identificação de barreiras e facilitadores do ambiente escolar permitiu que os cursistas aprofundassem seu conhecimento sobre a realidade das unidades de ensino em que atuavam. Essa mudança de olhar em relação ao próprio local de trabalho favorece significativamente o processo de definição de uma prioridade, elaboração de estratégias de ação e implementação de propostas voltadas à melhoria do atendimento dos estudantes público-alvo da educação especial.
Entendemos também que a referida metodologia foi fundamental para alguns dos resultados mais significativos traduzidos pelos impactos apresentados ao longo do relatório. Dentre eles, merecem destaque: 51.052 pessoas diretamente impactadas pelos projetos locais e 73,4% dos cursistas ativos certificados após a conclusão da formação.
Em segundo lugar, observamos que a maioria dos grupos envolveu os alunos no processo de criação de atividades de educação física inclusiva. Em outras palavras, percebemos que a base de muitos projetos locais foi o diálogo estabelecido entre educadores e estudantes. Além disso, notamos grande preocupação por convidar as famílias para participar das atividades educativas resultantes de tais projetos, rompendo com a usual restrição da participação da família em assuntos burocráticos ou relacionados a dificuldades enfrentadas pela equipe pedagógica.
Os impactos quantitativos e qualitativos apresentados por este relatório sustentam nossa convicção de que é possível descontruir a concepção conservadora de educação ainda predominante em muitas instituições de ensino no Brasil e em outros países. Tal ruptura aplica-se também à disciplina da educação física, historicamente marcada pela valorização do desempenho físico, da competição e, consequentemente, pela exclusão daqueles que não se enquadram em modelos idealizados do ser humano.
Os projetos locais desenvolvidos pelos cursistas do "Portas abertas" sinalizam caminhos para que a educação física seja ressignificada e concebida a partir de uma perspectiva igualitária. Nesse sentido, o relatório dá luz a políticas públicas e práticas pedagógicas que enfrentam as barreiras existentes e favorecem a inclusão de pessoas com deficiência na escola comum.
Agradecimentos
Agradecemos às equipes das seguintes organizações:
- • Aqui vou eu
- • Centro Educacional Unificado Quinta do Sol (São Paulo, SP)
- • Creche Municipal Magdalena Arce Daou (Manaus, AM)
- • Escola Classe 401 do Recanto Das Emas (Belo Horizonte, MG)
- • Escola Municipal de Educação Básica Jesus Criança (Cuiabá, MT)
- • Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Hilberto Silva (Fortaleza, CE)
- • Escola Municipal Dom Orione (Brasília, DF)
- • Escola Municipal Floriano Peixoto (Rio de Janeiro, RJ)
- • Escola Municipal Nova do Bairro da Paz (Salvador, BA)
- • Escola Municipal Padre Brandão Lima (Maceió, AL)
- • Escola Municipal Professora Adelina Fernandes (Natal, RN)
- • Escola Municipal Professora Terezinha Sousa (Belém, PA)
- • Escola Municipal dos Vinhedos (Curitiba, PR)
- • Fundação Getulio Vargas
- • Interrogação Digital
- • Ministério da Educação
- • Ministério do Esporte
- • Museu do Futebol
- • TAM
- • Todos pela Educação
- • Unidade de Educação Básica de Ensino Fundamental Dra. Maria Alice Coutinho (São Luís, MA)
Lembramos que os impactos apresentados por esse relatório são frutos do esforço e do comprometimento das secretarias que colaboraram com o projeto, dos facilitadores e interlocutores do curso, dos especialistas que se dedicaram à realização das aulas e dos cursistas responsáveis por desenvolver os projetos locais em cada cidade participante.