Evento convidou especialistas, educadores e estudantes para falar sobre gestão, equidade, territórios, currículo e avaliação a partir da concepção da Educação Integral
No dia 25 de setembro foi realizada a segunda edição do Seminário Educação Integral em Debate. Dividido em cinco momentos, o evento contou com a participação de especialistas, educadores e estudantes que discutiram sobre educação integral, políticas públicas de tempo integral, gestão, currículo e avaliação. Rodrigo Hübner Mendes, fundador e superintendente do Instituto Rodrigo Mendes (IRM), foi um dos participantes.
Com a formulação e implementação do programa Escola em Tempo Integral, do Ministério da Educação (MEC), a Educação Integral (EI) está nos centros dos debates. O principal objetivo do seminário foi lançar luz sobre a relação direta entre o conceito de EI e a formação de uma sociedade democrática e equitativa.
Para Natacha Costa, diretora-geral da Associação Cidade Escola Aprendiz, Educação Integral não é uma modalidade e sim uma concepção de qualidade na educação que afirma a aprendizagem e o desenvolvimento integral como um direito de todas as pessoas.
Assista ao Seminário Educação Integral em Debate na íntegra:
Educação e Projeto de País
Natacha mediou a mesa de abertura, cujo tema foi “Educação e Projeto de País: que sociedade queremos e o que a Educação tem a ver com isso?”, que contou com a participação de Pilar Lacerda, do Centro de Referências em Educação Integral (CREI), Edneia Gonçalves, da Ação Educativa, e Claudia Santos, do Observatório da Educação Integral da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
A partir da provocação feita no próprio nome da mesa, as especialistas traçaram um panorama da educação no Brasil, ressaltando as principais conquistas que culminaram na criação de políticas públicas para viabilizar que o direito à educação seja respeitado e garantido para todas as crianças e jovens.
“Quando pensamos na Educação Integral, estamos pensando em confluência o tempo inteiro. Pensamos em confluência de saberes, entre os direitos, e em construir sabedoria a partir das diferenças. Aprendendo com aquilo que é diferente, a gente retoma o fundamento da igualdade civil e da diversidade cultural”, destacou Ednéia.
Para Pilar, a escola contemporânea deve estar dentro de um projeto de país democrático, no qual os educadores não são apenas “transmissores” de conhecimento, e a reprovação é considerada uma política de exclusão. “Temos sempre que pensar em projetos para todos, todas e todes, considerando os recortes de raça, gênero e classe. Se sonho com um país democrático, preciso de relações democráticas na escola”, declarou Pilar.
Cláudia, por sua vez, falou sobre a importância de políticas públicas e de investimento nas escolas – desde estrutural à formação constante dos educadores. Ela recordou o impacto do programa Mais Educação, vigente entre 2007 e 2016, que possibilitou que escolas em todo o país pudessem ampliar a jornada escolar e reorganizar o currículo, visando a educação integral.
“O que veio para ficar foi a política, não o programa, porque criou algo que não tem mais volta. As escolas, com suas limitações e potencialidades, fizeram políticas municipais que estão aí até hoje. O programa fez a indução da possibilidade de uma educação ampla e com mais oportunidades”, enfatizou.
Educação Infantil e tempo integral
O tema da segunda mesa do seminário foi “Infâncias brasileiras: por que priorizar as crianças na política de ampliação da jornada?”. Maria Thereza Marcílio, da Avante Educação e Mobilização Social, mediou a conversa entre Erondina Barbosa da Silva, do Unicef Brasil, Rita Coelho, do MEC, e Beatriz Benedito, do Instituto Alana.
As participantes discutiram sobre como as políticas de tempo integral e de Educação Integral podem priorizar a primeira infância, levando em consideração questões estruturais com desigualdade social, racismo e pobreza.
Erondina falou sobre os impactos da pandemia da covid-19 que ainda reverberam nas salas de aula e sobre a necessidade de se pensar na recomposição de aprendizagens. Ela também compartilhou os resultados do estudo “As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil”, que identifica as principais privações que afetam crianças e adolescentes no Brasil e os desafios atuais, que incluem insegurança alimentar, pobreza extrema, piora da alfabetização e desigualdades raciais.
Beatriz, por sua vez, levou para o seminário os principais resultados da pesquisa 10.639: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, realizada pelo Alana em parceria com o Instituto Geledés. O levantamento aponta que 20 anos após a promulgação da lei de combate ao racismo nas escolas, 71% das secretarias de educação ainda não implementaram conteúdos educacionais antirracistas em suas redes.
Rita encerrou a mesa ressaltando que existem muitos desafios – tais como ampliar o quadro de docentes e o espaço físico, entre outros, para equacionar quando se pensa em Educação Integral para a primeira infância, e não apenas em educação em tempo integral.
Currículo, gestão e território
Tereza Perez, da Comunidade Educativa CEDAC, mediou a terceira mesa do seminário, que contou com a participação de Maria Lucia Valério Silva, da E.E. indígena Tenente Antonio João, Juciê Parreira, da Secretaria Municipal de Educação de Almirante Tamandaré (PR), Bia Goulart e Gina Vieira Ponte, ambas do CREI, para discutir sobre “Currículo, gestão e território na Educação Integral: garantir a aprendizagem e o desenvolvimento integral de todes diz respeito a que escolhas?”.
Maria Lucia compartilhou um pouco da sua experiência como gestora escolar em Cucuí, São Gabriel da Cachoeira (AM). Lá, a escola é dividida em uma unidade central e 11 salas anexas, geograficamente distantes umas das outras. Essa foi a maneira que a gestão encontrou para atender o direito à educação das comunidades indígenas, respeitando as suas características e do território.
Ela explicou que a escola desenvolve uma série de projetos procurando sempre envolver, além dos professores, as famílias, a comunidade e os anciões. O propósito é ofertar aos estudantes uma educação de qualidade e contextualizada com a realidade local. As propostas exploram, por exemplo, a pesca, o cultivo da roça tradicional, a produção de artesanato e as plantas medicinais. “Os estudantes vão para o território, para as florestas, buscar nossas plantas nativas e aprender com os saberes dos nossos ancestrais”, explicou.
Gina, que atuou como professora de educação básica por 30 anos, usou o relato de Maria Lucia para reforçar a importância da autonomia para escolas e educadores elaborarem seus currículos a partir da realidade do seu entorno e de seus estudantes.
Em Almirante Tamandaré (PR), onde Luciê é secretário de educação, o currículo foi construído de forma colaborativa, o que possibilitou que toda a comunidade se apropriasse do projeto educacional. Dessa forma, os estudantes passam parte do período na escola e, no contraturno, circulam pelas “rotas de aprendizagem” do território, que são centros culturais, praças e quadras esportivas.
Na mesma linha de que currículo e território devem estar totalmente integrados, Bia enfatizou que a construção das escolas também precisa considerar as diversidades do Brasil e convidar a comunidade para esse processo. “Será que todas as escolas querem um auditório?”, provocou.
Desafios da avaliação
Após passar pelas searas de projeto país, educação infantil, currículo e território, o tema da última mesa do seminário foi “Gestão para resultados ou resultados da gestão: como ensinar e avaliar em uma proposta de educação integral?”. Com especialistas em educação integral e inclusiva para debater sobre os atuais desafios da avaliação como Rodrigo Hübner Mendes, do IRM, Helena Singer, da Ashoka, Ana Lúcia Sanches, da Secretária Municipal de Educação de Diadema (SP), e o estudante Nicolas Moreira Natale, de Salvador (BA). Anna Helena Altenfelder, do Cenpec, ficou a cargo da medição.
Assim como em Almirante Tamandaré (PR), Ana Lúcia explicou que em Diadema o envolvimento da comunidade na rotina escolar é muito presente. Lá, as unidades escolares elaboram o Projeto Político Pedagógico (PPP) de forma participativa com os agentes do seu entorno. Educadores, estudantes e comunidade escolar decidem, em assembleia, as metas e objetivos que são importantes para a escola no momento.
Para Helena, embora a avaliação seja muito importante para a transformação da educação, o Brasil possui uma política de avaliação padronizada e antiga. “Desde o primeiro Ideb, os resultados são ruins. Quinze anos depois, não melhorou a qualidade da Educação Básica, dentro da própria lógica. De fato, precisamos construir outra política que dê valor para os aspectos que são valorizados pela Educação Integral”, pontuou.
Rodrigo também ponderou sobre a padronização das avaliações e defendeu que os métodos devem ser elaborados em diferentes formatos e com estratégias pedagógicas diversificadas, para incluir todos os alunos. Além disso, ele considera que a qualidade do ensino não deve ser reduzida ao desempenho médio do estudante em Matemática e Língua Portuguesa. “A Educação é muito mais do que isso. A escola tem o papel social de formar cidadãos e representa o espaço em que vamos encontrar diferentes corpos e modos de pensar”, ressaltou.
Nicolas, que é estudante do 2º ano do Ensino Médio da rede estadual de Salvador, na Bahia, compartilhou que, para ele, as provas não contemplam todos os estudantes. “Muitos colegas não entendem metade do que o professor está lá na frente da sala explicando. Eu penso que as provas precisam ser repensadas, porque nem todos acompanham da mesma forma. E como padronizar pessoas diferentes?”, refletiu.
Encerramento
André Lázaro, da Fundação Santillana, foi o responsável pelo encerramento da segunda edição do Seminário Educação Integral em Debate, com o painel “Educação Integral e a democracia no Brasil”. Fernando Mendes, do CREI, fez a mediação das perguntas do público.
Ele iniciou o painel com uma fala de Paulo Freire que define a escola como “um clima de trabalho, uma postura, um modo de ser” para ressaltar a relação entre educação e democracia. “Se a escola deve servir para elaborar a cultura vigente, é fundamental que ela aborde o racismo, a homofobia, o machismo, o cuidado consigo e com o outro, bem como questões políticas e de cidadania. Não abordar esses temas naturaliza as violências e as opressões”, afirmou.
O especialista reiterou a opinião que os painelistas expressaram nas mesas anteriores com relação à política de reprovação, a partir do princípio de que todas as crianças são iguais e aprendem da mesma forma e à uniformização das avaliações. “Quando o Brasil resolve que tem que responder ao PISA como a Noruega e a Dinamarca, ignora quem ele é, que não consegue responder a esse parâmetro global medido por uma régua da OCDE”, declarou.
André finalizou enfatizando que a escola deve ser local de acolhimento e de promoção da equidade. “A escola não pode reproduzir as desigualdades que vêm de fora dela. Ela deve acompanhar atentamente cada estudante e entender o porquê de ele não estar aprendendo; porque podem ser problemas de saúde, e essa questão tem que ser discutida para ajudar a escola. Pode ter a ver com a família, e aí a Assistência Social precisa intervir. Podem ser do próprio íntimo e aí a escola tem que ouvir esse estudante sem julgar”, concluiu.
O Educação Integral em Debate é uma iniciativa da Associação Cidade Escola Aprendiz, através do Centro de Referências em Educação Integral, com o apoio do UNICEF, AVANTE, Comunidade Educativa CEDAC, CENPEC, CIEDS, Instituto Alana, Instituto Rodrigo Mendes, Ashoka, Fundação Santillana e Canal Futura.
Assista ao Seminário Educação Integral em Debate na íntegra:
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